Centenário Errado


David Jordan relembra a trajetória do homem que os brasileiros reivindicam como o verdadeiro pioneiro do vôo mecânico.

Matéria publicada no History Today - Londres - ( www.historytoday.com )
Dezembro / 2003
Seção Front Line -
Páginas 4 e 5

Enviado por Rodrigo Moura Visioni

Enquanto o mundo comemora o centenário do vôo de Orville Wright em Kitty Hawk, na Carolina do Norte, em 17 de dezembro de 1903, do qual se diz ter inaugurado a era da aviação, um escritor brasileiro sugeriu que as celebrações são três anos prematuras. Rodrigo Moura Visoni, que gastou anos pesquisando a reivindicação dos irmãos Wright como os primeiros a voar, tem fortíssimas evidências de que o que eles voaram em 1903 não era um avião e sim um planador motorizado.

Documentos coletados por Moura Visoni parecem confirmar que seu conterrâneo Alberto Santos=Dumont tem a mais sólida reivindicação como o primeiro aviador.

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Santos=Dumont ficou conhecido como o inventor do avião quando sua aeronave 14-bis decolou em Bagatelle, França, e voou 60 metros em frente a uma multidão em 23 de outubro de 1906. Vôos subseqüentes melhoraram essa marca: ele atingiu 220 metros em 12 de novembro de 1906.

Em poucos anos o título foi largamente atribuído aos irmãos Wright; mas evidências reunidas por Moura Visoni para seu livro Santos=Dumont e os irmãos Wright: fim da polêmica secular revelam que os irmãos obtiveram consideráveis informações técnicas sobre o 14-bis de Santos=Dumont antes de sua primeira apresentação pública em 1908.

Moura Visoni também levanta a questão do que deveria ser definido como o primeiro avião: um que decola com a ajuda de trilho e catapulta no caso dos irmãos Wright, ou um que pode decolar por seus próprios meios de propulsão como a máquina de Santos=Dumont.

Ele acrescenta: “A máquina dos irmãos Wright era dependente de ventos frontais para decolar. Isso explica porque as réplicas do Flyer não voam.”

Inspirado pelos livros de Júlio Verne, a carreira de Alberto Santos=Dumont como inventor começou quando ele herdou o dinheiro proveniente da plantação de café de seu pai em Minas Gerais, e mudou-se para Paris.

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Ele começou a fazer ascensões em balões e voou num projetado por ele próprio em 1898. Vários balões dirigíveis (controláveis) se seguiram, mas a fama de Santos=Dumont atingiu o ápice em 1901 com a sua audaciosa viagem em torno da Torre Eiffel.

Os termos do desafio de 50 mil francos envolviam partir de um campo em Saint Cloud, circular a torre e retornar ao mesmo ponto em 30 minutos. Santos=Dumont venceu o desafio faltando 30 segundos.

O feito inspirou Santos=Dumont a concentrar-se na construção do primeiro avião do mundo.

Sua primeira tentativa em agosto de 1906 falhou, mas ele percebeu que faltava potência ao avião. Ele trocou o motor de 24 cavalos por um de 50, e perante oficiais do Aeroclube da França e de imprensa internacional, ele assombrou a todos lançando-se no ar.

Enquanto isso os irmãos Wright trabalhavam em segredo, mas ao saberem da façanha de Santos=Dumont, Wilbur Wirght escreveu ao Capitão Ferber do Aeroclube de França: “Meu irmão e eu tomamos conhecimento, por uma correspondência de Paris publicada no New York Herald, que o público francês apreciou grandemente um vôo de 220 metros em linha reta de Santos=Dumont, num aeroplano de sua construção. Ficaríamos muito satisfeitos de conhecer notícias exatas sobre as experiências de Bagatelle, e estamos certos de que fareis para nós um relatório fiel dos ensaios e uma descrição da máquina voadora, acompanhada de um esquema.”

Mais correspondência se seguiu entre Wilbur e o Capitão Ferber relativa ao avião de Santos=Dumont, até que os Wright viajaram à França e demonstraram seu Flyer para o mundo.

Controvérsia sobre os vôos dos Wright antes de 1908 sempre existiram. Eles ofereceram como prova de seus vôos de 1903 cinco testemunhas e alguns diários escritos por eles mesmos. Mas nenhuma das testemunhas era qualificada para julgar o que viu, e uma delas, Alpheus W. Drinkwater, confirmou quarenta e oito anos depois que os Wright apenas planaram em Kill Devil Hill, em Kitty Hawk, em 17 de dezembro.

Um planador foi exatamente o que os Wright patentearam em 1904 na Inglaterra – um ano depois do seu vôo motorizado.

“Simplesmente não era possível para o Flyer decolar.” – diz Moura Visoni. “Para manter um avião no ar basta que a sustentação seja igual ao peso, mas para fazê-lo decolar a sustentação deve ser maior que o peso. Santos=Dumont usou um motor de 50 cavalos numa máquina de 290 quilogramas, os Wright usaram um motor de 12 cavalos numa máquina de 340 quilogramas.”

Enquanto os Wright foram enaltecidos como os inventores do avião, a comunidade científica foi mais cautelosa. Trinta e três anos depois do vôo de Santos=Dumont, até instituições aeronáuticas norte-americanas não podiam aceitar o vôo dos Wright de 1903. Na edição de dezembro de 1939 do periódico científico National Aeronautics, o primeiro vôo foi atribuído a Santos=Dumont.

A larga aceitação da reivindicação dos Wright deixou Santos=Dumont muito magoado. No manuscrito ainda não publicado O homem mecânico ele escreveu: “Realizei minhas experiências em Paris, diante de seu povo e de sua imprensa, que as testemunharam. Recebi do Aeroclube de França, como pioneiro da aeronáutica, a homenagem do monumento de Saint Cloud e da pedra comemorativa de Bagatelle, homenagens consagradas oficialmente pelo Governo Francês com a fita da Legião de Honra (...) Em 1906, meu nome é de novo elevado às nuvens, desta vez na qualidade de primeiro homem voador... (...) Alguns anos passam, e tudo é esquecido. (...)”

Ele retorna então a um tema que havia mencionado em seu livro de 1918, O que eu vi, o que nós veremos:

“Eu não quero tirar em nada o mérito dos irmãos Wright, por quem tenho a maior admiração; mas é inegável que, só depois de nós, eles se apresentaram com um aparelho superior aos nossos, dizendo que era cópia de um que tinham construído antes dos nossos. (...)    O que diriam Édison, Graham Bell ou Marconi se, depois que apresentaram em público a lâmpada elétrica, o telefone e o telégrafo sem fios, um outro inventor se apresentasse com uma melhor lâmpada elétrica, telefone, ou aparelho de telegrafia sem fios dizendo que os havia construído antes deles?!”

Santos=Dumont estava esgotado em 1910. Desiludido com a falta de conhecimento de sua vida e obra e deprimido por ver o avião sendo usado com fins bélicos, ele retornou ao Brasil, onde morreu em 23 de julho de 1932.

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