Como Nasceu o Aeroplano - II

Uma experiência final foi realizada, lançando-se o aviador de um alto, como costumava fazer no seu planador (145). As notícias dos jornais foram vagas. A máquina era "munida de hélices accionados por um motor de triciclo" (164). Partindo da colina "Devil-Hill de 30 m. de altura, contra o vento", Wilbur Wright (145) teria atingido a "altura de vinte metros" e "percorrido 5 kms.", com a velocidade de "12 kms à hora" descendo "sem dificuldade".

Esclarecendo tão "exagerada notícia" (146), foi então que os Wright publicaram uma carta técnica reproduzida em vários países e, em Portugal, no Porto, no "Almanaque de Mariote para 1904" (269), com as seguintes informações técnicas:

A "máquina voadora" apoiava-se em um par de "asas curvas" com "150 pés ou 48 metros quadrados", (estes dois números não se correspondem). Tinha "40 pés transversalmente", e o peso completo seria de uns "335 kgs.". A força era fornecida por um "motor de gasolina" construído pelos dois irmãos, com quatro cilindros "e pesando 62 kgs.", queimando menos de um galão por hora, e desenvolvendo com 1.200 voltas por minuto a força de "16 cavalos vapor" Os hélices eram dois, accionados por corrente. Lançada "contra um terrível vento de Dezembro" (267), de uns "45 kms. de velocidade" (12 m. por segundo), a máquina avançou à "velocidade de 35 milhas", "pouco mais de meia milha no ar", ou "200 metros medidos no solo", tendo ido tocar em terra "devido a um ligeiro erro do aviador" (1). Como o inverno "ía adiantado", as experiências foram adiadas, adquirida a convicção de que o "aeroplano tinha força para voar" (268).

É certo que esta experiência de um minuto foi realizada com a máquina lançada de altura, e contra vento tão forte que reduziu o voo aéreo a um terço sobre o chão, não sendo citado, como contraprova, o resultado da natural repetição em planície e com bonança. De sorte que, aos olhos dos técnicos que consideram o motor de 16 cavalos manifestamente impotente para vencer vento de uns 45 kms. - que daria a um barco de vela velocidade de cerca de 12 nós - ressalta inverosímil a opinião de que se tratou de voo puro , e não de uma tentativa com planador auxiliado por forte vento ascendente e por motor fraco para voar, aproveitado só com transmissão por engrenagem (2).

Arrudão parece ligar importância definitiva a esta experiência de 1903, que está longe de ser "clarão" (12), por a tal respeito nada sabermos de claro e material, mas somente o que consta de uma simples declaração , que está longe de "constituir prova completa" (146) de que os Wright de facto já voavam em 1903.

(1) Não seria antes fraqueza de motor visto que, normalmente, a tracção deve ser de "um quarto de peso"? (Ferber, 109). No "Collier's" de Dezembro passado lê-se uma declaração de Ch. Taylor, ainda vivo, que construiu o motor para os Wright, agora na América: A sua força era de só 12 cavalos e pesava 82 kgs.

(2) As fórmulas de Aerodinâmica dizem-nos que, não contando com as resistências de motor, aviador, mastros, etc., o planador precisaria de um motor de cerca de 25 cavalos para voar. Na prática, aviões de peso idêntico exigiram:

Assim, aquilo que lemos na carta a respeito de experiências com o seu planador "melhorado" não permite reivindicar primazia na eficiente motorização de planadores, já tentada antes por outros (102, 214).

Logo a seguir, tendo-lhes o capitão Ferber proposto aquisição de uma das máquinas, foi respondido que ela "não estava ainda em condições" (147).

Só dois anos depois, em Outubro de 1905, os irmãos Wright lhe declararam já Ter voado uns 39 kms. à velocidade de 60 à hora (197), afirmando-se habilitados a fornecer idêntico aparelho para "voos experimentais".

A sua promessa de poder voar até 40 kms., à velocidade de 60 à hora, não vinha justificada com o menor detalhe técnico - a força do motor, por exemplo. Depois, Feber foi informado de que o preço de uma máquina, garantida para voar 50 kms., seria de um milhão de francos, ou 200.000 dólares, não sendo indicada a forma de pagamento. Parece que se pensou em oferecer-lhes 600.000 francos, com a condição de a máquina se elevar a um quilómetro, como seria essencial para operações militares. Mas os Wright teriam recusado tal preço, negando-se a subir a mais de cem pés, 30 m. Ferber que, de resto, também era técnico prático, não pôde dar seguimento às negociações.

Ademais, as notícias então publicadas - e que os Wright não retificaram como tinham feito em 1903 - continuaram vagas e "exageradas", a ponto de se escrever que a "máquina voadora" se elevara "contra o vento a uma altura de 3 milhas" (162), ao passo que o Je sais tout limitava a altura a 38 m., com motor de 24 cavalos. Ora, na prática, o voo impõe ao avião a potência mínima de um cavalo por cada dezena de quilos de peso.

De maneira que nem mesmo os jornalistas americanos "tomaram a sério" a estranha notícia, porque "não viam coisa alguma" (166). Não tinham assistido aos voos.

Com mais razão o faziam os técnicos europeus, a quem o caso especialmente interessava. E tanto que, em 1906, Santos-Dumont declarou que, tendo ouvido falar dos Wright, ignorava os resultados por eles obtidos (156).

De facto, uma vitória tão extraordinária, que Arrudão exalta considerando-a "descobrir o segredo do voo" (159), não poderia ser acreditada só por declarações gratuitas como as de 1903. E tanto que o Je sais tout de Fevereiro de 1906 apenas conclui (190) que o voo de "38 kms. de Outubro passado" "parecia exagerado". Tratar-se-ia de "experiências quase secretas", não confirmadas por fotografias. Seriam "lenda ou blague"? (170). Eram "mistério para o Mundo" ou, talvez, obediência à blague atribuída a W. Wright acerca de serem os "papagaios as únicas aves que falam"... (225). Assim eles evitavam comprometer-se, como em 1903, em que contaram detalhes menos verosímeis. Nem declaravam se, ao contrário do que tinham feito em 1903, já podiam levantar voo mesmo de planície.

O certo é que os voos americanos eram postos em dúvida, tanto nos "círculos restritos" dos técnicos que desconheciam detalhes, como também popularmente. E tanto não convenciam que ainda então, em Paris, eram oferecidos prémios, um deles de cem mil francos, ou vinte mil dólares (210), a quem voasse "um quilómetro", apenas um quilómetro !